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sábado, 19 de outubro de 2013

Isto é Portugal (Parte 1-3)

Isto é Portugal é uma rubrica de 3 textos escritos por André Rocha que pretendem reflectir sobre a realidade nacional.

1 - A factura de dar "novos mundos ao mundo"


Se é de todo inegável que a grave crise financeira que o país atravessa se estende ao resto da Europa, não deixa de ser verdade que os países economicamente mais débeis são os que mais sofrem com a referida crise. Portugal encontra-se, naturalmente, no grupo dos países mais débeis.


Compreendendo o passado e as motivações do que é "ser português"

Historicamente, os 40 anos de ditadura pelos quais o nosso país passou entre 1933 e 1974, surgem como explicação para o nosso atraso económico relativamente à restante Europa. Esta explicação parece-me legítima mas peca por minimalista. Se é certo que Portugal foi o país do ocidente europeu que mais tempo viveu sob um regime autoritário, não deixa de ser também verdade que muitos outros países tiveram, também eles, o seu período de ditadura; a maioria das quais imensamente mais rígidas que o Estado Novo. 

Todo o processo da mentalidade do "ser português" nasceu muito mais atrás, para o bem e para o mal. Por muito que alguns tentem vangloriar de forma exacerbada os feitos (que o foram) atingidos por Portugal nos séculos XV e XVI, a realidade é que foi nesses mesmos séculos que o povo português começou a impregnar uma série de maus vícios que, ainda hoje, se reflectem na nossa mentalidade. Portugal cedo deixou de ser um país com necessidade de produzir o que quer que fosse. Se com a descoberta da costa da África subsariana conseguimos comercializar ouro e escravos, com a descoberta do caminho marítimo para a Índia transaccionamos especiarias e, finalmente no século XVIII, o ouro do Brasil possibilitou novamente o enriquecimento dos cofres do Estado. Tudo isto só foi possível, naturalmente, com a audácia dos portugueses que deram "novos mundos ao mundo", no entanto o território nacional foi relegado para segundo plano do ponto de vista económico. Portugal nada produzia, tudo comprava, tudo revendia. 

As classes dirigentes, com um estilo de vida opulento, pouco se preocuparam no investimento da sustentabilidade económica da metrópole. O dinheiro, como todos sabemos, foi mal aplicado, num despesismo sem precedentes. Desde os Jerónimos, ao Palácio de Mafra, passando pelos luxos extravagantes das cortes dos diferentes monarcas; a palavra de ordem era "gastar" num novo-riquismo desenfreado. Já os países do norte da Europa, como a Holanda ou a Inglaterra, criaram, ao contrário de Portugal, economias sustentáveis e dinâmicas que fizeram esses países evoluírem o seu território metropolitano e colonial. O crescimento exponencial da Holanda no século XVII e da Inglaterra no século XVIII são prova disso mesmo.


Analisando o passado próximo, tentando compreender o futuro

Ao contrário dos povos do norte, Portugal, pela sua sorte e audácia, foi construindo mitos, como é o caso do sebastianismo. No fundo, passamos a acreditar piamente que sempre que o país estivesse em crise algo apareceria para nos salvar: Ou as especiarias da Índia, ou o ouro do Brasil, ou a entrada na CEE...até bem pouco tempo continuamos a acreditar que era possível viver produzindo muito muito pouco. Este sebastianismo tão tipicamente português levou-nos, em última análise, a criar uma mentalidade acomodada e pouco empreendedora. 

Até bem pouco tempo as universidades formavam quase exclusivamente quadros para empresas. Era praticamente impensável um indivíduo sair de uma universidade e ter como objectivo de vida criar a sua própria empresa. Os empresários nacionais dos anos 80 e 90 foram pessoas pouco formadas e com uma mentalidade muito pouco arrojada no sentido de desenvolverem tecnologicamente as suas firmas e, naturalmente, com isso favorecerem a produção nacional. Os fundos comunitários foram (mal) aproveitados por classes dirigentes medíocres e sem qualquer visão de mercado. Só assim podemos explicar o facto do português produzir pouco "cá dentro" e muito "lá fora". É óbvio que o problema não está no trabalhador mas sim na falta de visão de quem o dirige. 

Felizmente esta mentalidade está, ainda que aos poucos, a mudar. Estamos a pagar ainda hoje a factura de, enquanto povo, termos compreendido muito tarde a matéria da qual somos feitos. O português não viveu, esperou que os outros vivessem por ele. Felizmente, agora, começa a querer viver, a querer fazer...esperemos que não seja tarde demais. 

O Padrão dos Descobrimentos (inaugurado em 1960)

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