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sábado, 26 de outubro de 2013

Isto é Portugal (Parte 2-3)

Isto é Portugal é uma rubrica de 3 artigos escritos por André Rocha que pretendem reflectir sobre a realidade nacional. Não leu a primeira parte desta série de artigos? Poderá ler AQUI.


2 - O conservadorismo como factor de atraso

Não é mais que a constatação de um facto dizer que Portugal é um país conservador. Embora, do ponto de vista legislativo, possua das leis mais progressistas de todo o mundo (como é exemplo o casamento homossexual, entre outras) estas não espelham a mentalidade real da população. A lei não reflecte de todo o pensamento maioritário, profundamente tradicionalista.

A luta pela afirmação e imposição do conservadorismo surge como resposta ao Movimento Liberal que, em 1820, inicia a sua fixação em território nacional. O Liberalismo em si mesmo consigna a congregação de todos os aspectos da vida em sociedade e crê possuir uma resposta para os problemas levantados pela existência colectiva (Neto, 1998). Tem como objectivo final não só a emancipação metafísica do Homem assim como a sua autonomia perante o universo. É natural que todo este pensamento emancipador tenha caído mal na esfera religiosa, sendo alvo de resistências num país profundamente católico no qual as elites conservadoras dominaram durante séculos.

A luta pelo tradicionalismo encabeçada pela Igreja irá atrofiar e retardar a implantação do ideal liberal nos países em que a sua influência é maior. Falamos, naturalmente, do sul da Europa que, como vimos no anterior artigo, comparativamente ao norte sofreu um atraso económico, social e científico significativos. O movimento conservador rejeita desde logo o progresso da ciência e a máxima de que cada qual, através das suas capacidades, poderá escalar socialmente através do seu trabalho e competência. 

Alfredo Pimenta, num artigo publicado no jornal "O Dia", em 1915, sintetiza o pensamento dos conservadores nacionais:

"Disseram-lhe que era soberano, e afirmaram-lhe que dentro dessa soberania havia competência para tudo. Disseram-lhe que só ele sabia o que era patriotismo e honra, que só ele sabia o que era grandeza, ânimo e heroicidade. Disseram-lhe que só ele possuía a força e o direito, e que só ele contava, que só ele existia, e que só ele era alguém. E o homem do povo, o honrado homem do povo, com as suas mãos calejadas e a sua fronte suada, a sua alma ingénua e o seu espírito ingénuo; o homem do povo que foi amigo e foi leal; o homem do povo que era útil ao trabalho, e afeiçoado às suas canseiras; o homem do povo convenceu-se das palavras que lhe disseram, das lisonjas em que o envolveram, dos poderes que lhe atribuíram, da missão que lhe indicaram. E abandonou a oficina, e abandonou o trabalho, abandonou o lar e abandonou o estabelecimento, e pôs ódio onde tinha amizade, a desconfiança onde tinha lealdade, e passou a frequentar o Parlamento e o seu club político, o tumulto e a conjura" (Pimenta, 1915).

A resistência à mudança e à evolução social podem ser facilmente identificadas nas palavras de Alfredo Pimenta. A ideia de que cada um tem uma função na Terra bem específica e que não deverá imiscuir-se em terrenos para os quais não tem competência foi largamente disseminada neste período. Quando questionados sobre a justiça da realidade terrena, a Igreja oferece o argumento da vida além da morte, na qual, os sofrimentos passados na Terra serão recompensados com a felicidade eterna. Com esta argumentação pretendia-se controlar o povo das revoltas sociais assim como a formação de uma sociedade civil crítica.

Hoje ainda sofremos resquícios desta forma de pensar...

Nos nossos dias continuamos a sofrer a herança desta mentalidade conservadora que nos castra o "querer fazer". Portugal é um país no qual se cultiva a mentalidade do "viver com pouco" e da alegria do "ser pobrezinho" como um fatalismo e, muitas vezes, como algo quimérico. Já a Bíblia diz: "É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha que um rico entrar no reino dos céus". 

Este culto da pobreza tão tipicamente português é um dos muitos resquícios que teve no período do Estado Novo o seu auge. A herança de 40 anos de ditadura não são as reservas de ouro, não é o equilíbrio financeiro do país tampouco a paz vivida num período em que toda a Europa se gladiava. A construção desta mentalidade pequenina, que se contenta com o mínimo é a maior herança do período ditatorial. É ela que, ainda hoje, volvidos 40 anos do término do Estado Novo, nos caracteriza enquanto portugueses. 

A lição de Salazar


Isto é Portugal...


Numa casa portuguesa fica bem,
pão e vinho sobre a mesa.
e se à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem esta franqueza, fica bem,
que o povo nunca desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.
Quatro paredes caiadas,
um cheirinho à alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo,
mais o sol da primavera...
uma promessa de beijos...
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!
No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
e a cortina da janela é o luar,
mais o sol que bate nela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tigela.
Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
São José de azulejo
mais um sol de primavera...
uma promessa de beijos...
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

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